quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Quem sou eu

Faz tempo que no meu orkut tem escrito aquela frase da Clarice que eu amo: "não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. eu não: quero é uma verdade inventada.".... bem assim, em minúsculas mesmo, porque tenho fases em que viajo na maionese, achando letras capituladas uma coisa presunçosa e confusa. Tenho fases em que desenvolvo uma louca aversão por tudo o que pode soar um pouco arrogante, e fico irritadíssima com o fato de que o Homem, quando falamos da Humanidade, é escrito em letras capituladas. E por que, exatamente, capitulamos nomes de pessoas e lugares? Por que não capitulamos ao falar de animais ou árvores? Podíamos dizer "a Goiabeira deu frutos hoje", ou escrever numa carta "hoje apareceu o Gato faminto". Afinal, ao que me consta, a Goiabeira pode estar representando toda a Goiabeiridade, e o Gato, toda a Gatidade.

Divagações à parte, hoje estive relendo meu about no orkut. Esse papo de "meu about" é tipo falar "scraps" ao invés de recados né, coisa de quem teve o orkut na época em que ele só existia em inglês. E rodava a manivela. Mas enfim. Retornando. Eu fiquei lendo a frase da Clarice, matutando o quanto essa frase fala tanto de mim, ao mesmo tempo em que não diz nada. Não diz nada porque frequentemente axiomas são apenas isso: frases emblemáticas, cujo significado evapora depois que você lê as primeiras quinze vezes. E também, porque por mais que (como diz a comunidade no orkut) "Clarice Lispector me entenderia", ainda é a frase de outra pessoa. Não é uma coisa assim particular, entende? Original. Advinda da alma.

Maaas existe como argumento de defesa à frase da Clarice o seguinte fato: só o fato de eu ter escolhido um axioma ao invés de me expor já fala muito sobre minha pessoa. E depois, vem a natureza da frase, que não foi escolhida ao acaso, certamente. Assim como não foram escolhidas ao acaso as trocentas frases, músicas e poemas com que venho atulhando esse blog desde sua concepção. A frase diz: não quero ser limitada! Não quero me enquadrar! Não quero me acomodar! Não quero me adaptar! Quero inventar meu próprio mundo, quero ver o mundo com a minha imaginação. E putz, como isso é verdade! É verdade lá no fundo, dentro do meu coração em forma de concha, por mais que, por fora, eu esteja sempre me adaptando, me enquadrando, me limitando. Lá dentro, eu estou completamente rebelada. A minha verdade é a minha verdade, e eu acredito nela mesmo que todo mundo em volta a despreze. E me acomodar, seja por dentro ou por fora, é coisa que ainda não fiz, e não pretendo fazer jamais.

Mas indo logo ao ponto (me sinto especialmente digressiva hoje), achei bonito porque a máxima da Clarice respondia a presunçosa questão do orkut (quem sou eu) com uma irônica perfeição: "quem" limita, e o "ser" é ilimitado. E o "eu", por mais que discordem, também não tem limites.

É quase como se eu respondesse à questão "quem sou eu" com um belo e bem dado foda-se. Não é da sua conta. E está além do meu perfil do orkut.

Por isso, apesar de eu ter pensado num about de minha autoria pra colocar ali do lado do "quem sou eu", a bela literatura da minha querida Clarice permanecerá.


... Mas naturalmente nada me impede de colá-lo pra vocês:

quem sou eu: não sou alta nem baixa, calma nem agressiva, boa nem má. Às vezes sou capaz de atitudes grandiosas, mas já fiz coisas desprezíveis também. Todos os dias me confundo comigo mesma, porque cada dia quero uma coisa, cada dia sinto uma coisa. Geralmente penso e sinto mal sobre mim mesma, temendo sempre o julgamento alheio, por mais que paradoxalmente eu permaneça teimosamente aferrada a determinadas crenças internas.

Sou oscilante com comidas, bebidas, interesses, passatempos. Só não fui oscilante até hoje com o que sou capaz de sentir pelas pessoas: amizade e amor. Nesses assuntos me mantenho firme, porque sei que se solto essa corda, tudo em que acredito desmorona. Mas a verdade é que quase todas as outras cordas eu já soltei, ou já considerei soltar. Sinto até, por dentro, uma bizarra satisfação em mudar de opinião.

No fundo, a verdade é que vivo duas vidas e sou duas pessoas, que só o amor que sinto é capaz de, às vezes, unir e padronizar. Duas pessoas que às vezes parecem tão distantes uma da outra quanto luz e escuridão. Elas não chegam a ter características definidas e no fundo oscilam tanto quanto eu, as duas, mas eu até que tento organizá-las e separá-las, pegando-as e colocando-as em seus devidos lugares: A do lado de fora, que talvez você conheça. E a do lado de dentro, que eu mesma nunca vou conhecer.



Ah sim, mais um argumento em favor do axioma da Clarice: do jeito que escrevi isso, ninguém ia ler. Ninguém lê about longo demais.

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