segunda-feira, 8 de setembro de 2008

artesanato x arte [fragmento]

"(...) Os afrescos de Michelangelo para o teto da Capela Sistina demonstram claramente a fragilidade dessa falsa dicotomia [entre “belas artes” e “artes aplicadas”]. Como representante das necessidades da igreja, o papa influenciou as idéias de Michelangelo, as quais também foram, por sua vez, modificadas pelas finalidades específicas do mural. Trata-se de uma explicação visual da “Criação” para um público em sua maior parte analfabeto e, portanto, incapaz de ler a história bíblica. Mesmo que soubesse ler, esse público não conseguiria apreender de modo tão palpável toda a dramaticidade do relato. O mural é um equilíbrio entre a abordagem subjetiva e a abordagem objetiva do artista, e um equilíbrio comparável entre a pura expressão artística e o caráter utilitário de suas finalidades. Esse delicado equilíbrio é extraordinariamente raro nas artes visuais, mas, sempre que é alcançado, tem a precisão de um tiro certeiro. Ninguém questionaria esse mural como um produto autêntico das “belas artes” e, no entanto, ele tem um propósito e uma utilidade que contradizem a definição da suposta diferença entre belas-artes e artes aplicadas: as “aplicadas” devem ser funcionais, e as “belas” devem prescindir de utilidade. Essa atitude esnobe influencia muitos artistas de ambas as esferas, criando um clima de alienação e confusão. Por mais estranho que pareça, trata-se de um fenômeno bastante recente. A noção de “obra de arte” é moderna, sendo reforçada pelo conceito de museu como repositório definitivo do belo. Um certo público, entusiasticamente interessado em prostrar-se em atitude de reverência diante do altar da beleza, dela se aproxima sem se dar conta de um ambiente inacreditavelmente feio. Tal atitude afasta a arte do essencial, confere-lhe uma aura de algo especial e inconseqüente a ser reservado apenas a uma elite e nega o fato inquestionável de quão ela é influenciada por nossa vida e nosso mundo. Se aceitarmos esse ponto de vista, estaremos renunciando a uma parte valiosa do nosso potencial humano. Não só nos transformamos em consumidores desprovidos de critérios bem definidos, como também negamos a importância fundamental da comunicação visual, tanto historicamente quanto em termos de nossa própria vida."

{Caráter e Conteúdo do Alfabetismo Visual ~ A. Dondis}

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